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terça-feira, 29 de agosto de 2006

Fidel e fotos prometidas

Acontece que não deu para ir no primeiro dia da exposição de Camille Claudel aqui em Vitória como havia pensado. Vou amanhã com uma turma aqui do serviço, arregimentada.

Acontece também que a imprensa burguesa fala de Fidel como um tirano inescrupuloso e sanguinário. Até aí, tudo bem, que eles são do ramo e isso faz parte do show. O problema é outro. E nem é um, são dois.

Primeiro, que o brasileiro, especialmente o brasileiro da classe média, como eu e você, sai repetindo esse discurso sem saber do que está falando. Então eu quero mostrar um texto bem escrito, honesto e sincero sobre Fidel. É curtinho, leia. Escrito por Frei Betto (a assessoria dele autorizou a publicação aqui, tá bom?).

Segundo, que o Brasil é o país da favela, da pobreza e da corrupção. Esse trio está bombando mais do que o samba e o futebol. Então o seguinte: enquanto essa for a realidade do país, essa ditadura do poder econômico, essa vergonha, nada de querer ficar dando lição de liberdade e democracia para Fidel, para os cubanos e assemelhados, combinado?

Então pronto. Ou você acha que os críticos do regime de Cuba e os cubanos da Flórida querem ajudar os pobres da ilha? Fala sério, fala. Querem é a liberdade de poder se enriquecer em cima deles, isso sim. Abrir lojinhas, vender bugigangas e ficar falando mal do governo e dos impostos, pois é esse o destino reservado pelo Capital à classe média nesses tempos. Quanto aos grandes empresários, nem se fala. Vão cortar cana, paladinos da Justiça Social, vão!

Como havia prometido, e promessa é dívida, e como achei que algumas fotos ficaram bacanas, aqui vão imagens do passeio às montanhas, no Domaine Ile de France. Espero que gostem. As fotos em que apareço foram tiradas por minha sobrinha de 7 anos, Sara, a que aparece brincando no balanço. Danadinha, ela. A quarta foto é histórica. É uma prova material de confirmação da lenda de que "a a bola procura os craques".


Sarinha no balanço, uma cerca e um craque que ela mesma fotografou.

 
A bola procura os bons, Sara no balanço e na bica.


A Pedra do Lagarto e o lagarto da pedra.


Passeio no lago, um pássaro na árvore e Noir no chão.


Edna descansando, moinho d'água e fisioterapeutas almoçando.


Duas meninas bonitas e o pôr-do-sol no domingo, ao voltar.


Kids brincando.


O Domaine é cheio de galinhas. E Galos.


Flor, flor... e um cravo.


Duas crianças balangando, um pássaro e uma passarinha.


Kali.
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segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Voltando das montanhas
Um poema
Uma exposição


Abandon, de Camille Claudel

Muito bom o final de semana nas montanhas, viu? Show de bola. Tirei muitas fotos. Depois eu mostro aqui. As que ficaram boas, claro.

Falando em montanhas, lembro que já fiz pelo menos dois poemas sobre o assunto. Um falava de um cara que vivia numa cabana nas montanhas com um cachorro e um dia saiu para apreciar o pôr-do-sol depois de uma caçada. O poema terminava com esses versos:

E vendo a grandeza do que não foi feito pela mão do homem,
sentiu a essência e a beleza do que é sê-lo.

Mais ou menos assim. O outro poema relatava o diálogo de um louco com uma montanha. Aos pés da montanha, o infeliz implorava por sua amada. Ele acusava o próprio monte de ter levado para sempre seu grande amor. Julgando conversar com a montanha, mas era com seu próprio eco que ele conversava. Show de bola.

Até que estou gostando desse negócio de postar com mais frequência. Dá até mais ânimo, sabia? Tô vindo agora do almoço que fica perto da Rede Gazeta e no caminho me bateu um jogo de palavras que logo me fez pensar o seguite: "vou fazer disso um poema e colocar no blog." Trata-se de um mero jogo de palavras, que nem sei como bateu. Vinha falando sozinho "me leve, me love..." e aí surgiu um "Poema para Mila" que nunca vi mais gorda. Apenas dei o nome para combinar com a sonoridade dos versos. É o típico poema que trabalha com o som e a sonoridade das palavras abstratamente. Porém, se alguém aí conhecer alguma Mila, gostar do poema e os versos do poema coincidirem com o que se gostaria de dizer a ela, pode pegar emprestado, eu deixo :Þ Essa Mila aí da foi eu achei no Google digitando "Mila" na pesquisa de imagens.


POEMA PARA MILA

Me lave
Me leve
Me live
Me love.

 

Até que ficou bonitinho, não?

Atenção moradores de Vitória e adjacências: a partir desta quarta-feira, dia 30 de agosto, até 11 de outubro, no Museu de Arte do Espírito Santo, exposição de Camille Claudel, a louca amada amante do grande escultor Auguste Rodin. Imperdível. Eu estarei lá no primeiro dia, querendo Deus e não atrapalhando o diabo.

Kali.
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sexta-feira, 25 de agosto de 2006

Em torno da Pedra do Lagarto

Na semanda passada, recebi ligação de uma amiga que eu não via há algum tempo. Pedia ajuda. Fiquei assustado com o estado emocional dela, coitada. Ela estava num quadro depressivo terrível. Ao falar, gaguejava. Pelo telefone, a impressão que se tinha é que ela estava simplesmente destroçada. Até me assustei. Terrível mesmo. Especialmente comparando seu estado atual com sua animação e disposições habituais.

No dia seguinte liguei para ela e senti seu astral melhorar (me propus a visitá-la, mas ela não quis me receber nesse momento alegando que não queria que eu a visse naquele estado, só mais pra frente). No outro dia, mais um telefonema e mais melhorias, até risadas. Ela sempre depositou muita confiança em mim e sempre se sentiu bem comigo. Muito bom saber que você significa algo de positivo e de restaurador para alguém, sem ser psicólogo.

Engraçado como as pessoas, quanto mais se afundam, mais apelam para a religião para explicar ou mesmo resolver seus problemas.

Neste fimal de semana vou para a região das montanhas aqui do Espírito Santo. Pedra do Lagarto, essas coisas. Mais precisamente, vou montar meu ponto de apoio aqui. Região muito bonita, não sabe? Vou tirar fotos. Se sair alguma digna de ser mostrada, mostrarei.

Kali.
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quarta-feira, 23 de agosto de 2006

Sobrinha

Vou aceitar a recomendação de uma leitora ("tem que atualizar sempre... nem que escreva apenas uma linha... tipo: tô sem tempo... ou: tô sem paciência... assim temos notícias suas...") e postar com mais frequência. Afinal, quem faz a gentileza de entrar aqui, sempre espera encontrar novidades, não? Claro que sim. Obrigado pela atenção e pela recomendação, Kamila Carla.

O problema nem é tanto falta de tempo ou de paciência, coisa que suspeito ter até demais. E nem de tédio. Gosto muito do meu blog, sim. Aqui posso publicar as coisas que penso e ouvir a opinião das pessoas a respeito, conhecer gente nova etc. Só coisas boas. Muito legal. Acho que sei qual é o problema. É a minha pretensão de querer fazer sempre o melhor post. Aí eu fico vacilando e adiando. "Vale a pena publicar isso?... Escrevo isso ou aquilo?... Assim ou assado?... " e por aí vai. Bah!

Mas de hoje em diante vou modificar o meu modo de vida. Vou postar mais amiúde, podem acreditar. Porém, por conta disso, posts mais miúdos, como a própria palavra sugere. "É melhor um post que não presta do que uma peste que não posta", não é? Então pronto. Incrível como a gente esquece o que a gente mesmo prega.

Nessas alturas você, meu amigo, minha amiga, deve estar se perguntando sobre a imagem do livro "Conto dos Irmãos Grimm" aí de cima. Muito simples: é o último livro que comprei. Até aí tudo bem. Gosto de contos, fábulas e essas coisas curtinhas. Acho que vem daí a palavra "curtir".

O problema é minha sobrinha de 9 anos. É muito mimada essa menina. Se ela vier aqui pra casa e vir esse livro em algum canto, vai querer ler, com certeza. E antes de mim, com mais certeza ainda! Tudo bem que é uma criança, mas ainda assim eu acho que ela é infantil demais. Já disse isso para ela, mas não tem jeito. Muito Infantil.

Como não sou muito tolerante com infantilidades, tô sempre de mal com ela.

Kali.
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quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Kali não morrê-eu!

Pois é. Desculpem o atraso aí, amados leitores! Foi mal. Acontece. Não foi intencional, acreditem. Há tempo de postar e tempo de não postar, só isso. Nada de anormal. Tá tudo bem. O próximo post virá logo, prometo. Porém, não antes de dois dias, pois é o tempo que vocês vão demorar para ler este haha. Nesse período ausente do meu querido blog, não fiz nada de grandioso. Coisas banais. Por exemplo.

Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul. Lo-lee-ta: the tip of the tongue taking a trip of three steps down the palate to tap, at three, on the teeth. Lo. Lee. Ta.

Terminei de ler Lolita, de Vladimir Nabokov. Vocês se lembram quando disse que estava lendo, né? Então. Eu estava. Esse livro foi um dos responsáveis pelo afastamento do blog. Me baqueou de verdade, o desgraçado. É um livro com uma carga dramática muito forte. Das mais fortes de todos livros que já li. Me impressionou bastante. Passei por uma verdadeira catarse, num sabe? Nem esperava por isso. Fantástico, esse Nabokov. Um dos melhores livros que uma estante pode acomodar. O romance tem uma cadência. Vai num ritmo ascendente até chegar ao clímax, no final. Recomendo com todas as forças do meu desprezível ser. Podem ler.

Por acaso, alguém já reclamou do que recomendo aqui? Não, né? Então. Bem, pode ser que ninguém tenha reclamado porque ninguém dá bola às minhas dicas de vídeo, músicas e livros. Fazer o quê? Nada. Sem problemas. Minhas dicas e sugestão são totalmente sem compromisso, podem acreditar.

Li também Amor de Perdição, de Camilo Castelo Branco. Extremamente dramático. Tudo muito irreal. Mas vejam o que o autor diz na página 128 do livro:

Um romance que estriba na verdade o seu merecimento é frio, é impertinente, é uma coisa que não sacode os nervos, nem a gente,

Muito legal, não? Camilo Castelo Branco foi o autor mais importante do Ulra-Romantismo português. A vida desse cara foi tão romântica e dramática quanto os romances que escreveu, podem acreditar. Amor de Perdição foi escrito numa prisão, para vocês terem um idéia, em 1862. Ele foi preso por duas vezes. Uma por rapto de uma jovem, Patrícia Emília (que belo nome!), outra por adultério. Passou a viver com Ana Plácido, que era casada, veja só. Tão interessante quanto o enredo, é o registro histórico de uma época. A honra, o poder do pai na família, os costumes... O livro é vendido em bancas de jornais por cinco merrecas (R$ 4,90, para ser exato). Ah: Camilo Castelo Branco suicidou-se em 1890, minutos após ouvir de um médico que ele ficaria cego. Tinha 65 anos. E uma arma na mão, lógico.

O que mais eu fiz? Bem... passeei, andei, corri. Joguei bola, claro. Porque jogar bola é de lei. Quem não joga bola, bom sujeito não é. Ruim da cabeça ou doente do pé.

Ah, também cortei meu próprio cabelo. Para variar um pouco, pois cabeleireiro corta sempre do mesmo jeito. Qualquer dia eu mostro aqui, assim vocês ficam sabendo como ficou meu cabelo cortado... Ah, não vai dar: já joguei a cabelada toda fora.

Bolei um gif para o voto nulo. Esse aí do lado. Dê uma olhada. Até que ficou bonitinho. Mostra um ladrão roubando uma urna eleitoral, representando o roubo do voto do eleitor pelo político brasileiro. A idéia é mostrar que o voto nulo não poderá ser roubado.

Falando em roubalheira, uma vez li um texto do Padre Vieira que no Brasil todos roubam. O texto dizia mais ou menos assim: "Rouba o rico, rouba o pobre, rouba o velho, rouba o jovem, rouba o preto, rouba o branco..." e por aí afora. Nunca mais vi esse texto. Se alguém achar por aí (achado não é roubado, dependendo do caso), manda pra mim, por favor.

Ainda sobre o voto nulo. Já fui entrevistado duas vezes por causa do Manifesto do Voto Nulo. Uma das entrevistas foi para a revista IstoÉ, mas nenhuma das entrevistas foi publicada. Motivos óbvios: o voto nulo incomoda o sistema, especialmente a imprensa, que, no fundo, se nutre da ralé miúda em que se transformou a classe política brasileira. Essa por sua vez se alimenta do voto válido como um vampiro se alimenta do sangue de um animal.

O que mais? Toquei violão. Cantei "Without You", de Larry Nilson. Mariah Carey também gravou essa música. A propósito, a letra tem tudo a ver com a história de Amor de Perdição.

I can't liiiiiiiiiiiiiiive
If living is without youuuuuuu
I can't liiiiiiiive,
I can't liiiiiiive anymoooooooooore

Show de bola. Mas não me perguntem qual das três versões é a melhor, pois pois não consegui ouvir minha própria versão. Mas entre os dois outros prefiro Without You na voz Nillson. Ouça-a. Acho que vai gostar. É só uma suspeita, tá? Nada sério.

Nesses dias, outra coisa que fiz bastante foi descarregar músicas da internet. Pra testar e depois comprar o cd, claro :Þ Tudo quanto é tipo. Músicas do Século XVIII ao século XXI, pode ter certeza. Quando tiver tempo, ouvi-las-ei todas. Uma já ouvi. Another Day, de Paul McCartney. Muito bonita. É do Século XX ´DDDD

Chega de amenidades e vamos à conclusão do conto iniciado. Foi uma das coisas que também deixei de lado nesse tempo. Mas como já tinha na cabeça a história e o desfecho, não me preocupei. Não foi difícil conclui-lo com três sentadas. Não sei se vocês se lembram, mas eu disse que esse conto foi inspirado na leitura de Dom Casmurro, outro livro grandioso, da estirpe de Lolita. Espero que gostem. Se gostarem, me falem. Se não gostarem, gritem, combinado? Então, lá vai. Com vocês, a segunda e última parte de A Repulsa, from Kali.

A REPULSA (continuação)

Retomando:

... E a vergonha foi dando lugar a um ódio profundo contra Lia por causa daquela atitude, por fazê-lo sentir-se tão repugnante. Calado e parado na mesma posição em que Lia o lançou, começou a...

... a destilar os mais raivosos pensamentos e impropérios conta ela. Contra ela e contra o próprio gênero feminino ao qual seu ódio estendia suas palavras e debitava aquela maneira de tratar um homem.

No silêncio de seu rancor imprecava, amaldiçoava, xingava, jurava. Um ouvido sensível colado ao seu peito poderia ouvir as seguintes palavras do seu íntimo:

"Desgraçada! Infeliz! Por que fez isso? Se não queria ceder em nada, por que cedeu em alguma coisa? Mentira! Claro que queria! E quer! Por que negar o que já admitiu? Não neque, que meus lábios ainda estão úmidos pelos teus. Por que tem que ser assim, mulher? Negar teus desejos mais fortes, mais íntimos, mais verdadeiros, mais autênticos, mais viscerais por causa das convenções sociais? Só porque é casada? Então só cede seu corpo por uns minutos a quem promete ficar contigo o resto da vida, é isso? Por que não se entrega por uns minutos como se vivesse neles tua vida inteira? Quer fazer do teu sexo elo e algema para prender um homem, não é? Isso não existe mais, mulher, e é isso que te impede de absorver toda a força de um momento e toda beleza nele escondida. Infeliz! Ah, mulher, não se cansa de acusar o homem de aproveitador? Porque nega que se aproveita tanto quanto ele das delícias de uma relação? Falsa! Hipócrita miserável! Do que você é feita? De gelo, insensível? Não corre sangue em suas veias, só nos homens? Quer do homem um amor incondicional, desprendido. Mas do que se desprende você, querida? Do prazer? Onde fica seu amor puro, desinteressado, incondicional? Se evapora na condição de o homem ter que se comprometer uma vida inteira ao teu lado? Se esvai no ciúme doentio da mulher que passa? No ciúme mórbido de uma sombra que já passou? Na cobrança cotidiana de melhoria de vida depois que o casamento foi sacramentado? Na marcação cerrada com as reuniões dele com os amigos, com o futebol de fim de semana? Nas "existenciais" e eternas perguntas "de onde veio?", "onde está?", "para onde vai?"?" É isso, Lia? Desgraçada!

À medida que se remoía com o venenoso monólogo, Luiz ficava cada vez mais revoltado com Lia. No ápice do ódio, fez a seguinte promessa, que já não carecia de um ouvido metafórico para ser ouvida, pois a pronúncia saiu clara, ainda que à meia-voz:

- Se é assim que você quer, Lia, a partir de hoje nunca mais te tocarei, te dirigirei a palavra, nem te olharei no olhos. Se você quer distância de mim, distância de mim terá, não só de corpo, mas também de espírito, já que um não se desgruda do outro. Hoje você morreu para mim, Lia!

Assim foi dito, assim foi feito. Depois desse dia cessaram as brincadeiras, as tiradas, as cantadas sutis, as gentilezas, os assédios. Não apenas a ignorava quando a encontrava, como evitava topar com ela sempre que possível. Quando um "oi" era inevitável na presença de conhecidos, era impessoal, insensível e sempre sem olhar nos olhos dela, aqueles olhos de pêssego, verdes e aveludados, que tanto o encantavam. Nas rodas de amigos, mantinha sempre o mesmo humor, a mesma animação, mas não trocava uma palavra sequer com ela. A palavra dele, ele mantinha. Para ele, ela estava morta, mortinha.

E o que era uma atitude premeditada, a roda do tempo transformou em hábito. Acostumou-se a ignorá-la e a teria esquecido por completo não fosse o antigo desejo carnal a avivar sua memória de vez em quando, sempre em momentos cálidos e silienciosos quando gostava de ficar matutando sobre coisas da vida e a vida das coisas.

Uma coisa que o importunava um pouco é que ele nunca ficou sabendo o impacto que a mudança de comportamento causou sobre ela. No fundo, esperava que um dia ela viesse se desculpar. E era só dessa forma que voltaria atrás em sua atitude. Por iniciativa própria, decididamente jamais.

Uma vez, muito tempo depois do incidente, quando a lembrança já se arrefecia na cabeça de Luiz, aconteceu uma coisa que o incomodou de verdade, pelo menos por alguns dias depois do fato, mas que também foi desvanecendo da memória com o passar do tempo. Ele tinha ido a um shopping e ao sair de lá, sentiu uma sensação de estar sendo observado, algo muito comum nessas épocas de assaltos e sobressaltos. Olhou ao redor. A cerca de uns trinta metros viu Lia de pé, estática, olhando para ele.

Por alguns segundos, durante os quais o mundo parecia ter parado, entreolharam-se. Em seguida, Luiz abriu a porta do carro, entrou e seguiu seu caminho. Quando olhou no retrovisor ainda viu a silhueta de Lia na mesma posição, estática, com o olhar perdido em direção a ele, até sua silhueta se perder na distância.

Assim como as nuvens e as paixões, o tempo passa.

Os anos passaram-se e ele raramente a viu em todo o tempo que passou.

Um dia Luiz estava numa banca de revista perto de seu escritório, não muito longe de se aposentar quando uma senhora chegou até ele.

- Senhor Luiz Sander?
- Eu mesmo.
- Desculpe a intromissão, mas tenho uma mensagem de Lia Medeiros para o senhor. Meu nome é Laura. Sou prima dela.
- Muito prazer. Lia Medeiros?... Sim, pode falar.
- Ela padece de um mal e lhe pediu que a visitasse no hospital onde está internada.

Num brevíssimo espaço de tempo em que toda uma sequência de lembranças varreu-lhe o cérebro e o coração, Luiz pensou: "Agora que você quer me ver, Lia? Onde esteve tempo todo com aquele corpo tão belo e saudável?". Resgatou a promessa um dia feita e disse para a mulher que veio procurá-lo:

- A senhora poderia entregar a ela uma mensagem escrita?
- Perfeitamente!

Luiz então pegou com o dono da banca uma folha papel, e escreveu: "Recebi a notícia de seu estado de saúde. Lamento muito. Se precisar de algo, me procure. Farei o que estiver ao meu alcance. Desejo-lhe breve recuperação. Luiz."

Entregou o papel, agradeceu a atenção de Laura e despediu-se. A tarde nublada combinava com seu estado de espírito.

Dois dias depois, a mulher apareceu novamente para dizer que Lia não queria e não precisava de nenhum tipo de ajuda exceto a dos médicos. Ela queria apenas vê-lo. A resposta de Luiz foi lacônica, formal, cruel.

- Sinto muito, senhora.

Mais uma semana se passou e Luiz avistou novamente a prima mensageira vindo em sua direção. Desta vez, antecipou-se.

- Minha senhora, ajudo no que for necessário para confortar sua prima Lia, mas me poupe o incômodo de negar mais uma vez o pedido de ir visitá-la.

Desta vez, Laura é quem foi conclusiva.

- Não poderá mais vê-la, sr. Luiz, mesmo que quisesse. O enterro foi ontem e ela mesma que pediu para só comunicá-lo depois de tudo consumado.

Luiz não disse nada. Despediu-se de Laura com um gesto mudo de assentimento e continuou seu caminho. Estava mais confuso do que arrependido.

Quinze dias da morte de Lia, Luiz foi caminhar no parque da cidade. Aproveitaria para refletir sobre aquela questão, que o acompanhou durante boa parte de sua vida. Tentaria entender melhor tudo aquilo, mas faltavam elementos. Segundo ele, faltavam elementos por causa do mutismo e da inércia de Lia diante desprezo dele ao longo dos anos todos. Seguia imerso em pensamentos quando foi interrompido por uma adolescente com seus dezesseis anos de idade.

- Senhor Luiz?
- Sim.
- Eu gostaria de conversar com o senhor. É possível?
- Sim, mas quem é você?
- Desculpe. Meu nome é Louise. O senhor conheceu minha mãe, Lia Medeiros.
- ...
- ...
- Você herdou a beleza de sua mãe, disse Luiz, reparando os olhos verdes e aveludados da menina.
- Obrigada. O senhor é também um homem muito bonito. Minha mãe dizia isso.
- Eram os olhos dela, que se parecem com os seus. Mas o que você quer?
- Podemos sentar?
- Naquele banco?
- Tudo bem!

Sentaram-se então no banco do parque. Não havia movimento nenhum de pessoas. Estava um dia nublado, com ameaça de chuva.

- Pode falar, disse Luiz para a moça.
- Minha mãe me falou do caso de vocês.
- Não teve caso nenhum!
- Maneira de dizer. O que aconteceu entre vocês dois, o desencontro.
- Apenas um incidente. Não há mais o que se saber e o que se falar a respeito disso. O que você quer?
- Haveria, sim, muito o que falar sobre o desencontro entre vocês. Ficaram muitas mágoas, pelo menos em minha mãe. Mas não vim para isso. Estou vindo a pedido dela. Vim atender a um pedido que ela me fez ao morrer e que eu prometi cumprir.
- Pedido? Que pedido?
- Ela me pediu que eu deitasse com o senhor.

Luiz ficou desconcertado com a declaração da garota. Recompôs-se.

- Uma mãe não pediria isso a uma filha. Não a uma filha menor de idade, muito menos Lia, pelo pouco que conheci dela.
- Não me pediu mesmo. Eu mesma pedi isso a ela. Foi a forma que encontrei para aliviá-la do remorso que ela sentia pelo que fez com o senhor e pela frieza com que o senhor passou a tratá-la depois daquele dia. Ela finalmente havia resolvido ceder aos seus apelos, mas já era tarde. O tempo dela já havia passado e além disso, o senhor não quis mais vê-la. Senti então que ela talvez quisesse transferir essa tarefa para sua filha e aliviar todo aquele peso. Então que fiz a proposta para ela. Não foi difícil convencê-la. O senhor não quis vê-la no hospital. Ela sofreu muito...

Louise começou a soluçar. Abriu a bolsa. Evitando constrangimentos e também abalado com a declaração da filha da mulher que ele tanto desejou, Luiz desviou o olhar para um bando de pássaros que procuravam alimento no jardim, próximo dali. Depois que Louise tirasse o lenço da bolsa e enxugasse as lágrimas, ele diria a ela que não aceitaria sua doação e...

Não teve tempo para pensar em mais nada. Nem mesmo conseguiu ver a revoada dos pássaros assustados com o dois tiros que atravessaram seu crânio. Em vez de um lenço, Louise pegara da bolsa um revólver com o qual atendeu ao verdadeiro pedido de sua mãe.

Já informada de sua ininputabilidade por sua mãe, saiu andando tranqüila após cumprir a promessa feita a ela no leito de morte.

Com os braços estendidos sobre o encosto do banco e a cabeça desfalecida, inclinada para trás, o corpo de Luiz adquiriu um jeito lânguido, lascivo, como se estivesse sentindo o orgasmo que nunca teve com Lia.

Morreria da mesma forma como viveu por ela: seco.

Não tivesse a chuva começado a cair.

Kali.
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Não falo de mim,
mas do mundo,
bem mais importante
e interessante.
Quiçá, mais bonito :Þ

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textos: kali